e-book "Supere a si mesmo todos os dias"

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segunda-feira, 15 de outubro de 2012



Para o corpo, leite materno... e a imaginação, como se alimenta?
            No extraordinário livro de Italo Calvino, "Seis propostas para o próximo milênio" , na conferência 2, intitulada " Rapidez" , ele afirma: " Nos tempos cada vez mais congestionados que nos esperam, a necessidade de literatura deverá focalizar-se na máxima concentração da poesia e do pensamento. Borges e Bioy Casares organizaram uma antologia de ‘Histórias breves e extraordinárias’. De minha parte, gostaria de organizar uma coleção de histórias de uma só frase, ou de uma linha apenas, se possível". Nessa mesma conferência, em outro momento, ele fala da rapidez da narrativa oral da tradição popular que, segundo ele, "negligencia os detalhes inúteis mas insiste nas repetições, por exemplo quando a história apresenta uma série de obstáculos a superar. O prazer infantil de ouvir histórias reside igualmente na espera dessas repetições: situações, frases, fórmulas". Ao começar esta aula, confesso que me senti num impasse: conto uma história de Letícia (e assumo o risco de você me achar uma pedante, que adora contar histórias da neta) ou perco essas observações que ilustram tão bem o interesse de uma criança com menos de três anos pelas histórias e pela escrita? Perco essa atitude infantil que nos mostra já, tão cedo, o " desejo de ler" anunciando-se, como em geral ocorre com os que convivem com livros desde cedo? Enfrento o risco e conto a história. Afinal, o livro é lindo e acho válida também a sugestão. Além do mais, sou dos que acreditam que estudo, aliado à observação, produz conhecimento e quero contagiar você com esse olhar que observa as crianças para aprender.
         Salões, bienais e feiras de livros são oportunidades ímpares de se descobrir bons livros, uma vez que nessas ocasiões as editoras põem em destaque o que produziram de melhor e mais recente. Sou fã de carteirinha! Assim, no Salão do Livro da FNLIJ, onde todos os estandes são de literatura infantil (quem aprecia o gênero não pode perder), encontrei um livro que, ao primeiro olhar, me pareceu muito adequado a uma criança de quase três anos. Chama-se "Bruxa, Bruxa, venha a minha festa". A autora é a norte-americana Arden Druce, que foi bibliotecária e durante 21 anos professora; as ilustrações, bárbaras, para dizer o mínimo, são de Pat Ludlow; foi publicado no Brasil pela Brinque-Book, em tamanho grande, 23 X 29,5 cm. e o exemplar que tenho em mãos é da 16ª reimpressão. Ao lado, eis a sua capa.
Na página inicial, ele traz a informação " Uma história interativa" e orienta como se deve proceder. A criança diz a primeira frase: " – Bruxa, bruxa, por favor, venha à minha festa." O adulto fala a resposta da bruxa: " – Obrigada, irei sim, se você convidar o gato." A história se constrói sobre essa estrutura de repetição, e nesse jogo, a criança então convida: "Gato, gato, por favor, venha a minha festa". E ele responde igualzinho à bruxa, " – Obrigado, irei sim, se você convidar o espantalho." E assim vão sendo convidados para a festa a coruja, a árvore, o duende, o dragão, o pirata, o tubarão, a cobra, o unicórnio, o fantasma, o babuíno, o lobo – que exige a presença da Chapeuzinho – esta, pede que se convide as crianças, e as crianças pedem que seja convidada a bruxa. Como você vê, a história é circular, a brincadeira recomeça. E a criança vibra ao perceber que tudo começa de novo. Ela se dá conta da brincadeira e aprecia.
         Li a história uma primeira vez em voz alta, sugerindo a Letícia que ela fosse falando comigo as falas dos convidados e, juntas, íamos passando as páginas, explorando cada imagem e apreciando as belíssimas ilustrações. Contando assim, como o texto se constrói, você não faz ideia de como o livro é belíssimo, de como as ilustrações são fortes, impactantes e detalhadamente bem cuidadas. Porque, não tenha dúvida: o encantamento da criança é decorrência da sonoridade, do exotismo dos personagens, do aspecto lúdico da forma circular, mas também da beleza das imagens. Na segunda leitura que fizemos, ela já sabia dizer tanto a fala do convite, como a resposta do convidado. Repetimos a brincadeira mais uma vez, alternando as falas. Ela andou folheando o livro sozinha, depois disso, mas ninguém leu de novo com ela. Dois dias depois, Letícia pegou o livro e falou sozinha, como se estivesse realmente lendo, todas as falas do livro. Esperta, ela meio que virava a página, dava uma olhadinha e, pela ilustração da página seguinte, ela sabia quem o atual convidado ia querer que fosse também à festa, quem seria o próximo convidado. E por incrível que pareça, mesmo depois que memoriza todas as falas, a brincadeira não perde a graça: volta e meia ela volta ao livro e refaz toda a suposta " leitura" . É um livro ideal para os que ainda não sabem ler.
         As repetições, nas histórias para as crianças bem pequenas, têm um aspecto lúdico e permitem que a criança aprecie a sonoridade e a musicalidade do texto. A repetição é também um elemento facilitador, que auxilia a memória. Em minha opinião, contar histórias é uma forma de se brincar com a criança – livros são o mais inteligente dos brinquedos. A interação que a ocasião propicia é também uma oportunidade para que o conhecimento da criança acerca do mundo se vá ampliando, assim, você pode ir informando às crianças detalhes interessantes do que está sendo visto. Nessa história, como a imagem do unicórnio (a do livro) mostra, em primeiro plano, em um laranja vivo, seu chifre se destacando do pelo branco, lembro-me que falei à Letícia o porquê do seu nome (" uni" significa " um" , " córnio" tem a ver com " corno" , que é o mesmo que " chifre" . Veja: este cavalinho se chama unicórnio, porque tem um só chifre. Olhe como ele tem um chifre só, no meio da testa). Penso que nenhum conhecimento é demais, se ele entra na vida da criança de forma natural, sem nenhuma cobrança. Na primeira leitura nós exploramos as imagens do livro, e acho que essa é uma boa oportunidade de se observar e comentar tudo que parecer desconhecido para a criança. Afinal, através das histórias – que nos dão o mote, a chance, a oportunidade – nessa fértil e provocante interação com o adulto, a criança vai ampliando sua " teoria de mundo" , para usar a expressão de Frank Smith. Essa é, em minha opinião, uma das riquezas que a literatura nos oferece: como ela se apoia sobre elementos do mundo real, ela nos ajuda a enxergar melhor as coisas, é como uma lente que nos ajuda a ver mais longe, o que é particularmente enriquecedor para aqueles que estão descobrindo tudo no mundo, sua forma, sua gente, suas coisas. Assim como o escritor Italo Calvino, me acostumei a ver "na literatura uma busca do conhecimento".
         Mas a literatura nos ensina nos interstícios do que oferece, sem compromisso com um saldo pedagógico pré-estabelecido ou com um conteúdo específico. Sua função primeira não é essa. Infelizmente, muitas pessoas ainda esperam e cobram das histórias um ensinamento explícito, facilmente verificável numa prova. Há poucos meses, em uma escola, ouvi uma avó reclamar de um livro de literatura infantil indicado para a neta, de sete ou oito anos, com essas palavras: "Livros de histórias... histórias ensinam o quê? É gastar dinheiro à toa." Tal cobrança, em minha opinião, é uma rematada tolice, uma lamentável ignorância acerca das potencialidades da literatura. Agora mesmo tenho aqui, ao lado do computador, uma página do jornal O Globo, do dia 06/07/2010. Nela está o resultado do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. A escola melhor classificada, no Estado do Rio, fica em um bairro pobre, não tem quadra, nem auditório, mas nela os alunos contam com livros e bons professores que os estimulam a ler. Ali os alunos têm a liberdade de escolher o que ler e o compromisso de pegar livros na biblioteca para lerem em casa; eles têm o direito à literatura e o dever de explorá-la. Corretíssimo! Louvável! Assim o sucesso chega! Nas páginas coloridas, ou melhor, nas diáfanas asas da literatura. Esse resultado não é surpresa: já vimos um CIEP de Trajano de Morais, ao ser o melhor classificado, justificar o sucesso informando que seus alunos leem, que o colégio valoriza a leitura. Em outra ocasião, não sei se nessa ou em outra avaliação, a melhor escola – do Piauí – também informou que a chave do seu sucesso é o estímulo e a valorização da leitura. Ano após ano vemos a mesma coisa: é a leitura que move os índices para melhor. E é bom lembrar que, nessa atual avaliação, o Estado do Rio ocupou o penúltimo lugar no ranking. À frente apenas do Piauí. Os estados brasileiros que contam com melhores resultados são também aqueles onde a leitura está mais presente, tanto nas escolas como nas famílias; os índices de leitura da população em geral confirmam isso. Sempre ela, a leitura! Por isso, em outro texto, já escrevi: "Ler é o que de melhor se pode fazer em uma sala de aula." E, ano após ano, vemos ainda muitos responsáveis pela educação falando em refazer o currículo, em mexer nos conteúdos, em atualizar as grades de conhecimento, em estudar as formas de avaliação, como se essas fossem as causas do fracasso escolar das crianças brasileiras. É quase para se perguntar: não estão mesmo enxergando o problema ou o objetivo é que tudo continue igual, sem tirar nem pôr, sem melhorar nada?
Última atualização: quarta, 20 abril 2011, 13:20 - Cecierj

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