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quarta-feira, 8 de maio de 2013


. CONVERSA SOBRE LIVROS E O AMOR A ELES, À MODA DE DESPEDIDA OU DE UM ATÉ BREVE...

“Como é belo um livro, que foi pensado para ser tomado nas mãos, até na cama, até num barco, até onde não existem tomadas elétricas, até onde e quando qualquer bateria se descarregou, e suporta marcadores e cantos dobrados, e pode ser derrubado no chão ou abandonado sobre o peito ou sobre os joelhos quando a gente cai no sono, e fica no bolso, e se consome, registra a intensidade, a assiduidade ou a regularidade das nossas leituras, e nos recorda (se parecer muito fresco ou intonso) que ainda não o lemos...”19
Em nossa primeira aula, começamos lembrando o longo processo de invenção da escrita e os progressos alcançados até o século XXI, discutindo a questão “livros impressos ou páginas virtuais”, percorrendo os comentários de Robert Darnton, em A questão dos livros – passado, presente e futuro, e concluindo com o posicionamento de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, expressos em Não contem com o fim do livro. Só para você ter ideia da atualidade do assunto “livro”, gostaria de lembrar que este último título chegou às livrarias do Brasil em maio de 2010. E em julho chegou A memória vegetal – e outros escritos sobre bibliofilia, também de Umberto Eco, do qual extraímos o fragmento com que abrimos este texto.
Essa mais recente tradução reúne textos proferidos por ele em palestras e conferências, e alguns outros ensaios sobre bibliofilia, mas em todos eles o que fica mais uma vez evidente é, não somente o profundo amor de Umberto Eco aos livros, mas também sua extraordinária erudição. E se chamei este nosso texto de uma “conversa” sobre livros, caro leitor, é imprescindível trazer a voz desse italiano para enriquecer nossa “tertúlia”, ainda que a distância. Nesse mais recente livro ele nos lembra que, a partir do momento em que o homem começou a emitir sons significativos, os velhos tiveram uma ascensão: eram eles, os anciãos, os mais habilitados a guardar e passar aos mais jovens a memória dos acontecimentos, a memória das famílias, das tribos, a memória da espécie. Aquela primeira memória, ainda que orgânica (seu registro era restrito ao cérebro dos anciãos), era uma memória social, partilhada por todos daquele núcleo familiar ou da tribo. Com a invenção da escrita, o homem chegou à memória mineral: tabuinhas de argila ou sinais esculpidos sobre pedra. Umberto Eco chama a atenção para o fato de que nossa mais atual memória – aquela registrada nos computadores – também é mineral, já que sua matéria-prima é o silício. Mas o que interessa mesmo a Umberto Eco, nessa obra, é o terceiro tipo de memória: aquele a que tivemos acesso com o advento do papiro e do papel (desde o século XII), a nossa memória vegetal.
“Hoje, os livros são os nossos velhos.” – afirma Umberto Eco. Lançamos mão deles para ampliar um conhecimento do hoje e do ontem, que estaria restrito à brevidade de nossa vida. Não apenas à brevidade, mas também à limitação de uma única e contingente vida. E ele nos lembra: “Não nos damos conta, mas nossa riqueza em relação ao analfabeto (ou a quem, alfabetizado, não lê) é que ele está vivendo e viverá somente uma vida, ao passo que nós vivemos muitíssimas.”20 Seus exemplos são notáveis: ao lado de suas brincadeiras de infância, fazendo uso de nossa memória vegetal, ele se recorda também das brincadeiras de Proust e, entre os sonhos da sua adolescência, lá estão também os sonhos de Jim buscando a Ilha do Tesouro.
Parodiando seu texto – para não me assenhorear de seus exemplos – mostro a você, caro leitor, como através de nossa memória vegetal ampliamos nossa experiência, ao acompanhar a vida de outro: placidamente ancorada na tranqüilidade de um país democrático, livre e exercendo meus direitos de cidadã, em Niterói-RJ, Brasil, vestindo o que bem me agrada, comprando e lendo sem qualquer censura meus autores de eleição, circulando por onde queira, recebendo amigos rodeada por livros ou conversando publicamente com qualquer um deles, seja qual for o seu credo ou opção política, eu – Luzia de Maria – comunguei recentemente com a vida de Azar Nafisi, devorando o seu livroLendo Lolita em Teerã. E experimentei com ela o desespero de ter que se reunir clandestinamente para ler e discutir literatura; ter que se submeter a usar um véu, para ela sem significado, e a conviver não somente com a tirania feroz, mas também com a incapacidade para a tolerância dos Aiatolás da República Islâmica do Irã; sofri com ela esgueirando-se por ruelas estreitas, entre penumbras, para levar uma vida minimamente digna e condizente com sua verdade interior. Mas também – é bom que se diga – deliciei-me com ela, participando das discussões de vários e belíssimos romances de Nabokov, Jane Austen, Fitzgerald, Flaubert e outros; dividindo com ela sua preocupação com os passos dados pelas alunas, que costuravam as ficções a retalhos das próprias vidas, pisando um solo cravejado de minas... a morte rondando, perigosamente faceira.
Também aprendi com ela, citando Nabokov – ele, sim, o autor dessa beleza que vou emoldurar e pôr na porta de minha biblioteca: “A curiosidade é a insubordinação em sua forma mais pura”. Releia e reflita, não é uma afirmação surpreendentemente verdadeira?! Voltando a Umberto Eco, ele tem indiscutível razão: a conquista de uma memória vegetal – em jeitoso formato, que se pode levar aonde queira e ler até na cama, em um quarto de hospital, ou enquanto se espera a coleta de sangue num laboratório – essa conquista ampliou enormemente o potencial de experiência de nossas vidas. Ampliou o alcance do que damos conta de nos assenhorear e levar conosco, no mais íntimo de nosso ser. Lembro-me C. S. Lewis, o autor das Crônicas de Nárnia, que igualmente afirma: “...lendo a grande literatura torno-me mil homens e ainda permaneço eu mesmo”.

Umberto Eco passeia com total intimidade quando o assunto é livro e, em alguns momentos, deixa vir à tona seu inteligente senso de humor. Como por exemplo, ao tratar da “escolha” do que ler. Segundo ele, para tal processo, é importante se perguntar se aquele livro que estamos prestes a escolher é um dos que jogaríamos fora em seguida. Porque, segundo ele, “Jogar fora um livro depois de lê-lo é como não desejar rever a pessoa com a qual acabamos de ter uma relação sexual.” Por isso é bom nos decidirmos por aqueles com os quais vislumbremos a possibilidade de um longo e agradável caso de amor. Em outro momento, qualquer pessoa que tenha em casa uma biblioteca ou mesmo uma boa parede coberta de livros, e que já tenha vivido o mal-estar de receber essa importuna pergunta de um visitante: “Quantos livros! Já leu todos?”, sem dúvida vai se identificar. E vai se deliciar com as possíveis respostas sugeridas por ele. Mas a mais divertida me parece ser esta – afirmar, diante da surpresa do visitante, com a cara mais séria: “Não, os que já li eu mantenho na universidade, estes são os que devo ler até a próxima semana.” Como em sua biblioteca milanesa ele diz ter 30 mil volumes, diante dessa resposta o visitante se apressa em despedir-se. Mas é sua conclusão que merece destaque em nossa conversa: “O que o desgraçado não sabe é que a biblioteca não é somente o lugar da sua memória, onde você conserva o que leu, mas o lugar da memória universal, onde um dia, no momento fatal, será possível encontrar aqueles outros que leram antes de você.”21(grifos meus)
Há outras passagens que me parecem muito apropriadas a essa nossa conversa sobre livros. Veja o que ele nos lembra: “Os livros não morrem só por conta própria. Volta e meia são destruídos.(...) Temam aquele que destrói, censura, proíbe os livros: ele quer destruir ou censurar nossa memória. Quando percebe que os livros são demasiados, e incapturáveis, e que a memória vegetal permanece ameaçadora, então destrói memórias animais, cérebros, corpos humanos. Começa-se sempre pelo livro, depois instalam-se as câmaras de gás.”22 Umberto Eco começa falando da destruição de livros como ato radical de sistemas políticos fechados, totalitários, mas em seguida alarga o espectro e mostra como certas atitudes aparentemente inofensivas, também devem ser vistas como censura e ameaça à nossa memória coletiva: “Há outros inimigos dos livros: aqueles que os escondem. Há muitos modos de esconder os livros. Não criando uma rede suficiente de bibliotecas volantes, escondem-se os livros, que afinal custam dinheiro, das pessoas que não os podem comprar. Dificultando o acesso às bibliotecas, de tal modo que para pedir dois livros seja necessário preencher dez fichas e esperar uma hora, subtraem-se os livros aos seus consumidores normais. Também se escondem os livros abandonando nossas grandes bibliotecas históricas à deterioração. É preciso combater aqueles que escondem os livros, porque são tão perigosos quanto as brocas. Não usaremos o Zyklon23, mas as armas políticas e civis mais adequadas. Mas devemos saber que eles são inimigos de nossa memória coletiva.”24
Imagino que muitos dos que me leem, imediatamente se lembraram de pessoas ou instituições com as quais tiveram ou têm contato, em quem a acusação de Umberto Eco cai como uma luva, não é mesmo? Bibliotecas escolares fechadas, bibliotecas públicas que não abrem à noite ou em finais de semana, cidades que não contam com boas bibliotecas, bairros completamente desprovidos de bibliotecas para uso de crianças e jovens. Justamente por isso, penso que as afirmações contundentes de Umberto Eco devem nos servir para que possamos argumentar, discutir e convencer a favor do pleno acesso ao livro, começando nos espaços mais próximos, começando na escola em que trabalhamos, na faculdade que frequentamos, na comunidade em que vivemos. E para não irmos muito longe, veja um bom exemplo brasileiro a ser seguido: ganhei recentemente um marcador de livros em Curitiba; de um lado está impresso “Curitiba lê” e, no verso, os endereços da “Estação da Leitura” e de 13 “Casas da Leitura” da cidade.
Para encerrar os comentários acerca do livro de Umberto Eco, veja como ele começou e terminou uma de suas conferências: iniciou lembrando que falava a pessoas de um país (Itália) cujas estatísticas mostram que uma multidão de pessoas nunca tomam um livro nas mãos e muitíssimas não se aproximam de mais de um por ano. E terminou sua conferência conclamando todos a uma mudança de comportamento, mas sinta como é perceptível sua ironia: “Se a experiência do livro ainda os intimida, comecem, sem temor, a ler livros no banheiro. Descobrirão que também os senhores têm uma alma”.
Assim como aquele visitante que se espanta ao ver tantos livros na casa de um apaixonado leitor, nós os que amamos livros também nos sentimos perplexos diante das estatísticas que mostram o distanciamento de tantas pessoas em relação ao livro. Lamentamos, porque sabemos que tal atitude é consequência de um processo educativo falho e não um gesto consciente, voluntário, uma escolha de quem teve outra opção. Porque, acima e além de tudo que o livro pode nos oferecer enquanto experiência, desenvoltura, autoconfiança, autonomia, expressão verbal, conhecimento, a leitura nos oferece o “prazer de um honesto passatempo”, para usar as palavras de Montaigne.Embora quem ame livros nunca os busque como “passatempo”, não há melhor companhia em uma fila de banco ou outra qualquer, em uma sala de espera ou em qualquer destes momentos maçantes do cotidiano, do que um bom livro!
E, então, para complementar o que Eco afirmou sobre o livro, trago a fala de outro grande escritor verdadeiramente rendido pela sedução da leitura, Jorge Luis Borges. É dele esta belíssima definição do livro, soberanamente inserido entre outros objetos funcionais que também ampliam as possibilidades do corpo: “Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões da sua visão; o telefone é a extensão de sua voz; em seguida, temos o arado e a espada, extensões de seu braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é a extensão da memória e da imaginação.”25
Quem fala em imaginação acena para o reino da criatividade, da intuição, dos sonhos, dos desejos. Borges associa o livro não apenas ao registro do que está acontecendo ou aconteceu, mas também o vê como artífice de possibilidades futuras, como estímulo capaz de gerar o novo, o que ainda será criado, dínamo propulsor de energia para o crescimento e a evolução, para a construção de uma nova vida. E isso nos faz voltar aos gregos, rememorando agora as palavras de um grego moderno, o cineasta Costa-Gavras, que numa entrevista à jornalista Melinda Porter disse temer que o mundo moderno não esteja atento à evolução do indivíduo, avaliando progresso apenas em termos de crescimento econômico. “A melhor parte do homem – dizia ele – é sua mente, ou seja, sua cultura: o poder de se tornar mais consciente, mais feliz (se é que a felicidade existe); o poder de se refinar, se esclarecer. Este é o verdadeiro progresso. Acho uma catástrofe que as pessoas se refiram a progresso como lucro material; esta postura leva a uma fragilização do espírito humano.”26
Chegando ao final do nosso curso, deixo a você – caríssimo aluno – uma síntese do que penso: A literatura finca sua base na realidade, nos dramas, nos escorregões, na fragilidade da espécie, nas crenças, desafios e dilemas do ser humano e, talvez por isso, quem se apaixona pela literatura desenvolve uma curiosidade intelectual por tudo que nos rodeia: pelas linguagens, pela ciência, pela filosofia, pela história, pela sociologia, pela psicanálise, pelo desconhecido e inexplorado... Enfim, por tudo que diz respeito ao Homem. Vejo a literatura como o mais especial nutriente para manter viva e acesa a curiosidade – este fermento que agiganta nossa experiência existencial. Sozinhos, cada um de nós é uma poeirinha do universo, “coisinha nenhuma” no dizer de Riobaldo. Aprendemos e crescemos no diálogo, na interação com o outro: Com Harold Bloom, esse extraordinário crítico literário, aprendemos que “somente a leitura intensa, constante, é capaz de construir e desenvolver um eu autônomo”.27 Com Antoine Compagnon, em sua aula inaugural no Collège de France, aprendemos que “a literatura nos torna mais inteligentes, ou diferentemente inteligentes”.28 Com Italo Calvino, que nos presenteou com tantas e admiráveis obras literárias, aprendemos que “há coisas que só a literatura com seus meios específicos pode nos dar”.29 Com Autran Dourado, um dos maiores romancistas mineiros, aprendemos que é preciso reler, uma vez por ano, alguns livros do “velho” (Machado de Assis), “para limpar a língua”.30 Com Eliot, poeta, crítico e dramaturgo norte-americano naturalizado inglês, aprendemos que “a cultura pode ser descrita simplesmente como o que torna a vida digna de ser vivida”. Com Roland Barthes, em seu personalíssimo estilo, aprendemos que bom mesmo é alcançar aSapientia: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor”.31
E assim como um talismã, para os momentos em que bater o desânimo, o cansaço, a preguiça e o desalento, eis o que deixo a você: se aprovar minha sugestão, copie em um arquivo separado, amplie a letra, imprima e prenda ou pendure onde possa estar à altura de seus olhos; são apenas três versos que se guardam facilmente na memória, escritos por volta de 1.300 pelo poeta italiano Dante Alighieri neste clássico da literatura universal, A divina comédia. Cuide bem deles, faça-os seus:
 Considerai a vossa procedência:
não fostes feitos pra viver quais brutos,
mas pra buscar virtude e sapiência.” 32

Notas

19 Eco, Umberto. A memória vegetal – e outros escritos sobre bibliofilia. Trad. Joana Angélica D’Ávila. Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 54.
20 Idem, p. 16.
21 Idem, p. 49.
22 Idem, p. 25.
23 O gás Zyklon era usado para massacrar os judeus nos campos de extermínio. Mas ainda está no comércio e é indicado para câmaras de desinfestação de móveis e livros ameaçados por cupins, conforme ele informa, daí sua referência brincalhona (inimigos dos livros = brocas, cupins); p. 25.
24 Eco, Umberto. A memória vegetal, p. 26.
25 Borges, Jorge Luis. Borges, oral in Obras Completas. Trad. Maria Rosinda Ramos da Silva. Sâo Paulo: Globo, 2001, p. 189.
26 Porter, Melinda Camber. Olhar parisiense – Reflexões sobre a cultura e as artes francesas contemporâneas. Trad. Heloisa Maria Leal. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed., 1991, p. 33.
27 Bloom, Harold. Como e por que ler. Trad. José Roberto O’Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 188.
28 Compagnon, Antoine. Literatura para quê? Trad. Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte: UFMG, 2009, p. 39.
29 Calvino, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 11.
30 Dourado, Autran. Breve manual de estilo e romance. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, p. 36.
31 Barthes, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1980, p. 47.
32 Alighieri, Dante. Inferno, A divina comédia, canto XXVI. Trad. Italo Eugenio Mauro. São Paulo: Editora 34, 1998, p. 179.
Última atualização: quinta, 4 novembro 2010, 12:13
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 O QUE A LITERATURA PROPICIA À FORMAÇÃO DE UM SER HUMANO
         Na história da cultura ocidental, quando voltamos nosso olhar para os primórdios, lá estão os gregos com sua sabedoria. Muito difícil falar de literatura, de condição humana, de identidade terrena, compreensão e ética, sem nos lembrarmos deles. E naquele horizonte – povoado de mitos, heróis, deuses, tragédias, discussões filosóficas e textos literários que são ancestrais ainda presentes na literatura e no pensamento ocidental de hoje – encontramos o que certamente podemos considerar o primeiro conceito do poder da literatura em relação à vida humana: no livro Poética, Aristóteles usa o termo mimesis, traduzido hoje por representação ou ficção (em vez da palavra imitação, como encontramos em muitas traduções, inclusive na que vou citar aqui), para reabilitar a poesia e por extensão as tragédias, afirmando que através delas, ou seja, da literatura, o homem aprende sobre a sua própria condição. Veja: “A tendência para a imitação é instintiva no homem (...). Neste ponto distingue-se de todos os outros seres, por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquire seus primeiros conhecimentos, por ela todos experimentam prazer.” 1 Lembre-se que você pode substituir mentalmente a palavra “imitação” por “ficção” ou “representação”, porque, conforme opinião de muitos estudiosos da literatura, este é o sentido original da palavra usada por Aristóteles. As histórias contadas pelas ações dos personagens nas tragédias gregas, encenadas nos imensos anfiteatros de pedra da Grécia antiga2, eram uma imitação da vida real, eram uma representação da vida cotidiana, eram uma ficção criada por seus autores – Sófocles, Ésquilo, Eurípides, Aristófanes e outros – a partir do vivido, observado, intuído.

         Para justificar a sua crença no poder daquela ficção representada, no mesmo livro Aristóteles fala da katharsis – diante de situações humanas limites, o homem experimenta o terror, a emoção, a compaixão e o alívio final. Pelas suas palavras: “Tragédia é a imitação de uma ação importante e completa, de certa extensão; num estilo tornado agradável pelo emprego separado de cada uma de suas formas, segundo as partes; ação apresentada não com a ajuda de uma narrativa, mas por atores, e que, suscitando a compaixão e o terror, tem por efeito obter a purgação dessas emoções.” Assim, a palavra catarse foi usada para definir esse efeito moral e purificador da tragédia. Convido você a observar também, caro leitor, que a palavra “compaixão” explicita um movimento em relação ao outro: com-paixão, “paixão com” o outro, sentir com o outro, sofrer com o outro. O prefixo “co-”, “com-” significa aproximação, correlação, contiguidade. Temos aí o germe daquela expressão que encontramos hoje, nos textos de muitos escritores atuais, como sendo atributo da literatura: ensinar o leitor a “pôr-se em lugar do outro”.

Um continho para trabalhar com seus alunos na aula de Ingês: