Fonte:https://www.soescola.com/2018/10/concepcoes-de-alfabetizacao-e-letramento.html
Concepções de
alfabetização e letramento – Com relação aos aspectos da apropriação da
leitura e escrita pelas crianças, dois conceitos são frequentemente discutidos
nas abordagens relacionadas a esta apropriação: a alfabetização e o letramento.
Concepções de
alfabetização e letramento
Na trajetória histórica
do termo alfabetização, até os anos 80, os estudos e as pesquisas consideravam
que para a criança aprender, ela dependeria apenas de estímulos externos que a
levariam a dominar o sistema alfabético para, depois, ser capaz de ler e
escrever.
Dois métodos emergem
desta concepção e caracterizam a alfabetização até os anos 80: o método baseado
no princípio da síntese, no qual a alfabetização deve partir das unidades
menores da língua – os fonemas, as sílabas, e logo a seguir unidades maiores –
a palavra, a frase, o texto (método fônico, método silábico) e o método pelo
princípio da análise, segundo o qual a alfabetização deve partir das unidades
maiores e portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às
unidades menores (método da palavra, método da sentenciar, método global).
Estes métodos não
consideravam o processo construtivo das crianças. De acordo com Soares (2004),
estas duas formas metodológicas passaram a sofrer críticas severas nos anos 80,
quando a perspectiva psicogenética da aprendizagem da língua escrita começa a
ser divulgada no Brasil pela obra e pela atuação formativa de Emilia Ferreiro
(1985), sob a denominação de construtivismo.
A partir dessa
abordagem, ocorre uma mudança de pensamento em busca de novas concepções e
metodologias eficazes para o processo de aprendizagem, ao eliminar a distinção
entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas efetivas de leitura e de
escrita. Essa nova abordagem do fenômeno da alfabetização permite identificar e
explicar o processo por meio do qual a criança constrói o conceito de língua
escrita como um sistema de representação dos sons da fala por sinais gráficos,
ou seja, o processo por meio do qual a criança torna-se alfabética.
Além disso, sugere as
condições em que mais adequadamente se desenvolva esse processo, revelando o
papel fundamental de uma interação intensa e diversificada da criança com
práticas e materiais reais de leitura e escrita, a fim de que ocorra o processo
de conceptualização e entendimento da língua escrita. Entretanto, é necessário
fazer a distinção entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas efetivas
de leitura e de escrita porque tanto em uma como noutra estão envolvidas
diferentes dimensões da capacidade metalinguística: reflexão, análise e
controle intencional; consciência fonológica, conhecimento das letras,
consciência grafo-fonêmica e pragmática; mediação do adulto ou de outra criança
mais velha que fornecem a ela informações ou que provocam sua reflexão.
[…] atualmente sabemos
que a criança que chega à escola tem um notável conhecimento de sua Língua
Materna, um saber linguístico que utiliza ‘sem saber’ (inconscientemente) em
seus atos de comunicação cotidianos. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 24).
Para estas
pesquisadoras, este processo começa muito cedo, antes da entrada da criança na
escola, e segue uma linha de evolução regular que ficou conhecida como
Psicogênese da língua escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985).
Por meio deste estudo,
os autores evidenciaram e explicaram o caminho percorrido pelas crianças para
compreender o valor e as funções da escrita. Estes estudos contribuíram
significativamente para a superação da visão da escrita alfabética concebida
como transcrição fonética do idioma que se baseava na ideia de que a forma como
a criança se apropria da linguagem oral servia como modelo para explicar a
aquisição da linguagem escrita e era esse modelo que sustentava a maioria dos
métodos usados para alfabetizar as crianças.
[…] muitas das práticas
do ensino da língua escrita são tributárias do que se sabia da aquisição da
linguagem oral; a progressão clássica que consiste em começar pelas vogais,
seguidas de consoantes labiais com vogais, e a partir daí chegar à formação das
primeiras palavras por duplicação dessas sílabas mamá, papá, e , quando se
trata de orações, começar por orações declarativas simples, é uma série que
reproduz bastante bem a série de aquisição da língua oral, tal como ela se
apresenta vista do “lado de fora” (isto é, vista desde as condutas observáveis
e não desde o processo que engendra essas condutas observáveis).
Implicitamente, julgava-se ser necessário passar por essas mesmas etapas quando
se trata de aprender a língua escrita, como se esta aprendizagem fosse uma
aprendizagem da fala. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 23-24)
Contudo, para Ferreiro
e Teberosky (1985), além da relação da escrita com o código oral, há uma
relação da escrita com o mundo real. A escrita, nessa concepção, é um sistema
simbólico de representação, e não um código de transcrição. Esta visão rompe
com a concepção de um processo de aquisição da escrita apenas técnico para
considerá-lo como um processo conceitual, no qual a criança é um sujeito ativo
e com competência linguística.
Concepções de
alfabetização e letramento
Baseado nestas ideias,
o construtivismo revelou processos de compreensão da escrita pela criança, que
foram identificados a partir da análise de escritas espontâneas. Esses aspectos
evidenciavam que a criança construía hipóteses sobre o funcionamento da língua
escrita e, portanto, se mostrava imprescindível conhecer como ocorria esse
processo de elaboração e de apropriação acerca do sistema de escrita
alfabético.
De acordo com Soares
(2004), o foco no processo de construção alfabético da língua escrita pela
criança da ênfase na importância de sua interação com práticas de leitura
e de escrita como meio para provocar e motivar o processo, na prática escolar
da aprendizagem inicial da língua escrita, o ensino sistemático das relações
entre a fala e a escrita de que se ocupa a alfabetização.
Para Soares (2004),
houve grandes avanços teóricos sobre a aquisição da escrita que trouxeram
mudanças significativas no modo de conceber a alfabetização. Neste sentido,
atualmente, o que parece caracterizar a concepção de alfabetização é que esta
não é mais compreendida como um processo que envolve apenas aprender a ler e a
escrever enquanto habilidades de codificação e decodificação, mas implica também
um processo de apropriação da linguagem escrita como prática social,
respeitando o vocabulário que a criança já traz para dentro da escola.
Entretanto, a apropriação dos conceitos de alfabetização e letramento que está
no cerne dessa discussão, pelos professores alfabetizadores, ainda parece
oscilar entre a noção de que o processo de apropriar-se da linguagem escrita
signifique a mera aquisição de um sistema de codificação, para uns, e a
apropriação de um sistema complexo de representação que implica inclusive a
capacidade de ler e compreender o que foi lido, para outros. Com relação à
noção de que o processo de apropriação da linguagem escrita signifique a mera
aquisição de um sistema de codificação.
Smolka (1993) ressalta
que as práticas docentes que consideram o professor como detentor do saber, com
a função de ensinar a linguagem escrita, reduz o processo de aquisição desta
linguagem ao ensino de uma técnica e a própria escrita é reduzida e apresentada
como uma técnica. Para ela, as crianças que não conseguem aprender a ler e
escrever são resultado deste equívoco, que desconsidera a participação da
criança na construção deste conhecimento em função da necessidade de aprender o
saber da escola.
Segundo Smolka (1993),
o processo de alfabetização nos moldes tradicionais, nos quais a construção e
aquisição da leitura e da escrita pela criança, acontece por meio de métodos
convencionais, como a silabação e a palavração, por exemplo, é algo
extremamente preocupante. Deste modo, a autora questiona os métodos tradicionais
de alfabetização que limitam a compreensão da aquisição da leitura e da escrita
como um ensino mecânico, sem significação real para as crianças. Segundo a
autora, nessa concepção, as crianças são cobradas pelo que não entendem e são
levadas a buscar estratégias para sobreviverem nesse sistema, no qual poucas
crianças conseguem desenvolver naturalmente este entendimento.
O processo de
elaboração mental da criança na construção do conhecimento sobre a escrita, que
inicialmente passa pela linguagem falada, fica terrivelmente dificultado porque
a escrita apresentada na escola é completamente distanciada da fala das
crianças, e, na maioria das vezes, é o que não se pensa, o que não se fala. Ou
seja, a “defasagem” não é apenas uma contingência da forma escrita de
linguagem, mas é também produto das condições de ensino. (SMOLKA, 1993, p. 60).
Para Smolka (1993), a
escrita é considerada mais que um instrumento técnico ou uma atividade
mecânica; trata-se de um momento de interação e interlocução entre os sujeitos
envolvidos neste processo. O processo inicial de leitura que passa pela
escrita, o trabalho inicial da escrita que passa pela fala revela fragmentos e
momentos do “discurso interior”, da “dialogia interna”, das crianças, nessa
forma de interação verbal. O papel do “outro”, do mediador, nessa interação
começa a se delinear (SMOLKA, 1993, p. 62).
De acordo com Soares
(1999), ao mesmo tempo em que a criança apropria-se da escrita como forma de
interlocução, como atividade discursiva, ela deve também ser conduzida a várias
aprendizagens, ou seja, ela precisa aprender a distinguir o texto oral do texto
escrito, a estruturar adequadamente seu texto escrito, a controlar as
possibilidades de apreensão do sentido do texto pelo pretendido leitor,
apropriar-se dos recursos de coesão próprios do texto escrito, aprender as
convenções de organização do texto na página.
É necessário considerar
as questões relativas à aquisição do sistema de escrita e as questões relativas
à utilização desse sistema para a interação social, isto é, o desenvolvimento
das habilidades textuais. Para Soares (1999), o problema enfrentado com relação
à apropriação da leitura e da escrita é que, no contexto escolar, as questões
da relação letra e som, ou das relações entre fala e escrita em consonância com
o desenvolvimento das habilidades textuais, são sempre negligenciadas.
Para Smolka (1993), o
problema é a distância entre ensinar a técnica da escrita e considerar as
funções sociais da língua escrita. Para nós, a questão principal é compreender
as crianças como um sujeito de direito, reconhecendo-as como produtoras de
cultura. Isto implica compreender a aprendizagem da leitura e da escrita como
práticas sociais que devem ser integradas às demais práticas sociais que se
desenvolvem na infância. A necessidade de ampliar o conceito de alfabetização,
para que a aprendizagem da leitura deixe de ser vista apenas como
reconhecimento de letras, sílabas e palavras, e a escrita apenas como um código
de transcrição da fala.
As pesquisas atuais
sobre a apropriação da linguagem escrita pelas crianças e como ocorre este
processo (Baptista, 2010; Baptista, 2013; Ferreiro, 1985; Soares, 2009; Kramer,
2006) evidenciam que existe uma forte relação entre esta apropriação e o
próprio desenvolvimento Infantil.
Estes estudos permitem
concluir que o processo de apropriação deve iniciar-se desde os primeiros anos
de vida. Isto porque a criança, desde o seu nascimento, é um sujeito social que
produz cultura e está inserida nela, uma cultura na qual a escrita está presente
e determina, em grande medida, a dinâmica da sociedade. A escrita está presente
na dinâmica da sociedade, assumindo diferentes funções, das quais as crianças,
mesmo sem a intencionalidade do adulto, acabam participando. Estas funções são
adquiridas pelas crianças, de acordo com Ferreiro (1993), por meio da sua
participação em atos sociais, nos quais a língua escrita cumpre funções
precisas. Considerando esta perspectiva, Smolka (1993) ressalta que a
alfabetização, da forma como preconizou Vygotsky, pode ser compreendida como
atividade discursiva interativa, instauradora e constituinte do conhecimento na
e pela escrita. Para Smolka (1993), a alfabetização do ponto de vista da
psicologia Vygotskiana pode englobar a questão da aquisição da linguagem oral e
escrita enquanto processo de interação social.
Para Smolka (1993), a
criança aprende de forma mais eficaz quando se envolve em atividades coletivas
e lúdicas, que tenham significado para ela e quando orientada por alguém que
tenha competência, ou seja, enfatizando o papel crucial do educador mediador. Isto
porque o nosso comportamento é mediado por signos, respondendo a significados
que atribuímos a situações cuja interpretação depende de um contexto cultural.
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