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quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Um clássico insolente

Lewis Carroll/Getty Images


A PEQUENA MUSA
Alice Liddell com roupas de mendiga, em foto do próprio Lewis Carroll (à esq.):
o escritor disse que nunca esqueceria o dia em que conheceu a menina

"Esse foi um dia para não esquecer", registra o diário do reverendo inglês
Charles Dodgson (1832-1898) em 25 de abril de 1856. Foi nesse dia que
o professor de matemática de Oxford conheceu as três filhas do reitor
Henry Liddell. Gago e tímido,
 Dodgson adorava crianças – sentimento cuja extensão (ou cuja gravidade)
até hoje
 suscita debates entre biógrafos e estudiosos. Parece ter se apaixonado por
Alice Liddell, que ainda não contava 4 anos naquele primeiro dia inesquecível.
Nos anos seguintes,  Dodgson comporia histórias fantasiosas
para as irmãs Liddell. A própria Alice insistiu para que ele
 escrevesse os contos em que ela aparecia como protagonista.
Daí surgiu Aventuras de Alice Debaixo da Terra, caderno
 manuscrito ilustrado pelo próprio
Dodgson e presenteado a sua musa no Natal de 1864 (quando o autor já andava
afastado da família Liddell, possivelmente por ter proposto um matrimônio
indesejado à pré-pubescente Alice). Uma versão expandida seria publicada
no ano seguinte, assinada pelo pseudônimo literário do autor, Lewis Carroll,
 e já com o título definitivo: Aventuras de Alice no País das Maravilhas.
Em 1871, Através do Espelho, novo livro protagonizado por Alice, seria
 o best-seller de Natal na Inglaterra. Essas duas obras estão entre as mais
extravagantes já escritas para o público infantil – e Alice no País das Maravilhas,
o filme, reproduz essa extravagância só na superfície iridescente, jamais no espírito.
Em um tempo em que os livros para crianças eram moralizantes, Carroll ousou
apresentar uma fantasia que ridicularizava a compostura exigida às pobres
 crianças vitorianas. "Fale só quando falarem com você", diz a sentenciosa
Rainha Vermelha de Através do Espelho
 (que no filme é fundida – ou confundida – com a despótica Rainha de Copas).
 Alice observa que, se essa regra fosse seguida por todos igualmente,
 a conversa deixaria de existir. O livro exalta essa esperteza que os
 adultos tantas vezes tomam por insolência. Sem tal qualidade, Alice
 não sobreviveria ao País das Maravilhas e ao estranho mundo do
outro lado do espelho. Esses são, afinal, universos de pesadelo,
povoados por criaturas esquisitas que vivem aprisionadas em
paradoxos lógicos e argumentos circulares. Um exemplo tão
divertido quanto tenebroso é a hora do chá que nunca chega
ao fim na mesa da Lebre de Março e do Chapeleiro Maluco – aliás,
 muito diferente do louco manso encarnado por Johnny Depp,
o Chapeleiro é uma figura antipática, muito hostil a Alice.
 "Teria prazer em conhecer aquele coelho tagarela, mas não
 ambiciono a amizade do chapeleiro", disse a poeta
Christina Rossetti em uma carta para Carroll.
Embora os jogos de palavras e as alusões históricas
 e literárias dos dois livros de Alice só possam ser
plenamente apreciados por gente grande, Carroll
 ainda é uma leitura fascinante para as crianças. Poucos
 escritores compreenderam tão profundamente a inadequação
 que elas sentem diante das regras implacáveis dos adultos.
As raízes psicológicas dessa compreensão são talvez
sombrias – mas não comprometem a beleza do livro.
Jerônimo Teixeira

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