LÍNGUA
PORTUGUESA
TEXTO I
Delicadeza
Estava eu sozinho no Café
Severino, num
fim de tarde desta indecisa e
chuvosa
primavera. Esperava um casal de
amigos,
tomando uma taça de vinho. Uma
jovem
chegou, os olhos procurando por
alguém. E vi
então um rapaz levantar-se e
esperá-la de pé.
Depois de um beijo, ele puxou a
cadeira para
ela sentar-se. Em seguida, o
celular dele tocou.
Pedindo licença, o rapaz atendeu,
desligando
em alguns segundos e
desculpando-se. Diante
dessa rápida cena, vivida com
naturalidade,
fiquei pensando em pessoas
delicadas ou que
praticam atos de delicadeza, dos
mais simples
aos mais elaborados.
Minha mulher diz que em geral a
delicadeza
é fruto da boa educação, ainda
que uma possa
existir sem a outra, já que a
delicadeza é um
dom natural e a educação, um
atributo
conquistado.
Marcel Proust dizia: “A vida é
difícil. Para
estar em paz comigo mesmo,
preciso dizer a
verdade. Para estar em paz com o
próximo,
preciso mentir”. Proust, como
todos sabem, não
gostava de receber visitas e de
ser
incomodado, pois vivia
essencialmente para a
sua obra, tentando recuperar —
com tempo e
memória — o que acreditava ter
perdido. Então,
quando algum amigo aparecia, sem
ser
convidado, no Boulevard
Haussmann, onde
morava, Proust pedia a Celeste
Albaret, sua
governanta e confidente, que
dissesse ao
visitante que ele não estava em
casa, ou que
estava dormindo, ou que estava
gripado, ou…
Enfim: que desse uma desculpa
qualquer para
afastar o inoportuno. E muitas
vezes, depois de
Celeste despachar o visitante, o
escritor
arrependia-se e mortificava-se:
— Fiz mal em não receber o meu
amigo!
— Mas o senhor não estava com
vontade.
— Então por que não fui capaz de
dizer a
verdade?
— Por delicadeza — respondia
Celeste.
Esquivando-se assim para não
tirar o foco
do que escrevia por dias e noites
infindáveis, o
“pequeno Marcel”, como era
chamado em
família, construiu uma grande
obra, consciente
da sua importância: “Quero que a
minha obra
seja uma catedral. Nunca
definitivamente
pronta. E que dure para sempre”.
E foi o que conseguiu, ainda que
muitas
vezes ignorando a boa educação e
sacrificando
a delicadeza, que lhe eram
inatas.
(...)
Subitamente, sou interrompido em
minhas
reflexões pela entrada, no Café,
da Rutinha e
de seu namorado, Olavo. Vejo que
ela está
mancando e de cara amarrada.
— Que aconteceu? — eu pergunto.
— Escorreguei na calçada. Culpa
do seu
amigo aqui.
— Mas o que foi que eu fiz, amor?
E ela, virando-se para mim:
— Eu quis vir andando, sem os
sapatos, no
chão molhado, como eu fazia
quando era
criança. E ele não me impediu. Ao
contrário: me
incentivou a fazer essa
maluquice.
— Mas, meu amor, atendi ao seu
desejo,
por delicadeza.
E Rutinha:
— Pois eu não gosto de homens
delicados!
Acabam cansativos. Gosto de quem
discorda
de mim, insiste e… me convence de
que estou
errada!
Vendo que a discussão entre os
dois ainda
ia demorar meia hora pelo menos,
como
sempre acontecia, saí para ver
alguns novos
DVDs expostos na Argumento. Ao me
afastar,
ainda olhei o casal de jovens.
Dividiam uma
sobremesa cremosa usando uma
única colher,
que ia de uma boca à outra com
pequenos
bocados de doce. Quanta doçura!
Quanta
delicadeza!
CARLOS, Manoel. Veja Rio,
São Paulo, 19. de out.
2011 p. 130.
QUESTÃO 1 - A crônica de Manoel
Carlos traz
um apanhado de informações que
aborda o
tema delicadeza. Tomando por base
essa
discussão, pode-se inferir que
(A) a delicadeza do rapaz que
atendeu o
celular era artificial.
(B) a delicadeza depende de uma
boa
educação.
(C) Marcel Proust tinha
delicadeza, mas não
uma boa educação.
(D) Olavo e Rutinha eram
indelicados um com
o outro.
(E) o narrador admirou-se com a
delicadeza
do casal que tomava sorvete.
QUESTÃO 2 - Ao abordar o tema “delicadeza”,
o autor Manoel Carlos estrutura o
seu texto
utilizando, na sequência, os
seguintes recursos:
(A) Narração de uma cena –
Definição de um
conceito – Exemplificação do
conceito –
Narração de outra cena.
(B) Definição de um conceito – Narração
de
uma cena – Exemplificação do
conceito –
Narração de outra cena.
(C) Narração de uma cena –
Exemplificação de
um conceito – Narração de outra
cena –
Definição do conceito.
(D) Exemplificação de um conceito
– Narração
de uma cena – Narração de outra
cena –
Definição do conceito.
(E) Narração de uma cena –
Narração de outra
cena – Exemplificação de um
conceito –
Definição do conceito.
QUESTÃO 3 - Entre os personagens
citados no
texto, aquele que, de acordo com
a crônica,
contraria os exemplos de
delicadeza é
(A) Marcel Proust.
(B) Celeste Albaret.
(C) Olavo.
(D) Rutinha.
(E) o narrador.
QUESTÃO 4 - “Proust pedia a
Celeste Albaret,
sua governanta e confidente, que
dissesse ao
visitante que ele não estava em
casa, ou que
estava dormindo, ou que estava
gripado,
ou...”(3º parágrafo)
A melhor justificativa para o uso
das reticências
na passagem acima é
(A) encerrar uma declaração
textual.
(B) ressaltar a expressividade do
escritor.
(C) denotar a interrupção do
pensamento.
(D) sugerir a continuidade do
pensamento.
(E) criar suspense para finalizar
a frase.
QUESTÃO 5 - “Estava eu sozinho no
Café
Severino, num fim de tarde desta
indecisa e
chuvosa primavera.” (1º
parágrafo)
Nessa frase, a palavra que
atribui
características humanas a seres
inanimados é
(A) sozinho.
(B) Severino.
(C) fim.
(D) indecisa.
(E) chuvosa.
QUESTÃO 6 - No terceiro parágrafo
do texto,
ao se referir a Marcel Proust, o
narrador utiliza
predominantemente um tempo verbal
que
exprime ações
(A) concluídas no tempo passado.
(B) simultâneas ao momento da
narração.
(C) contínuas no tempo passado.
(D) não realizadas no momento da
narração.
(E) incertas em relação a fatos
passados.
QUESTÃO - 7 “E foi o que
conseguiu, ainda
que muitas vezes ignorando a boa
educação e
sacrificando a delicadeza, que
lhe eram inatas.”
(3º parágrafo)
A palavra em destaque substitui,
no texto o
termo
(A) Marcel Proust.
(B) família.
(C) catedral.
(D) boa educação.
(E) delicadeza.
QUESTÃO 8 - No fragmento “Ao me
afastar,
ainda olhei o casal de jovens.”
(último
parágrafo)
A oração destacada poderia ser
expandida,
SEM ALTERAÇÃO DE SENTIDO, por:
(A) quando me afastei.
(B) porque me afastava.
(C) depois que me afastei.
(D) já que me afastei.
(E) como me afastei.
QUESTÃO 9 - “Depois de um beijo,
ele puxou a
cadeira para ela sentar-se.” (1º
parágrafo)
A palavra destacada liga duas
orações e
estabelece entre elas uma relação
de sentido
de
(A) oposição.
(B) comparação.
(C) simultaneidade.
(D) finalidade.
(E) explicação.
QUESTÃO 10 - “E foi o que
conseguiu, ainda
que muitas vezes ignorando a boa
educação e
sacrificando a delicadeza, que
lhe eram inatas.
(10º parágrafo)
Os termos destacados ligam duas
orações e
estabelecem entre elas uma
relação de sentido
de:
(A) condição.
(B) consequência.
(C) concessão.
(D) conformidade.
(E) comparação.
Gabarito do exercício de Língua Portuguesa
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E A D D D C A A D C
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