Aula de português para a formação de leitores
Fonte: https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/nossas-publicacoes/revista/artigos/artigo/2506/aula-de-portugues-para-a-formacao-de-leitores
Autora: Margarete Schlatter (professora
da UFRGS)
15 Agosto 2018
Ler é atribuir sentidos aos estímulos visuais
(verbais e não verbais) em um texto com base num propósito de leitura. Essa
atribuição de sentidos será moldada pelas experiências anteriores do leitor com
eventos de leitura semelhantes ao que está vivenciando, práticas sociais
mediadas por esses textos, tema em foco, informações pressupostas ou
indiretamente acionadas pelo texto, outros textos, desejos, expectativas,
receios ou preconceitos, repertórios de recursos linguístico-discursivos que
conhece. Isso quer dizer: em cada nova situação, em que é necessário ler,
diferentes compreensões serão possíveis por conta das relações que o leitor
poderá estabelecer entre os estímulos visuais, o propósito de leitura naquela
situação específica e seus conhecimentos prévios, que podem ou não ser
suficientes.
Para atribuir sentidos ao texto, (re)agir e
posicionar-se criticamente diante dele, o leitor precisa, simultaneamente:
- decodificar o que está escrito, combinando
letras, sons e imagens, relacionando-os com significados possíveis;
- participar do texto, lançando mão de
conhecimentos prévios sobre o tema e sobre a participação no ato de
leitura;
- responder ao texto, levando em conta a
expectativa de leitura criada pelo gênero do discurso e pelo propósito
específico do ato de leitura que está vivenciando;
- analisar o texto como um produto cultural,
reconhecendo que qualquer texto resulta de um ponto de vista e, como
leitor, o sujeito também aborda o texto a partir de um lugar
sócio-histórico.1
Promover um ensino que forme leitores proficientes
significa criar oportunidades para a prática de todas essas ações. Na posição
de leitores mais experientes, podemos levar os alunos pela mão, para buscarem
no texto as compreensões que entendemos como preferíveis. Isso pode ser feito a
partir de atividades de leitura, de estudo do texto e da análise de possíveis
efeitos de sentido dos recursos linguístico-discursivos utilizados. Essas
atividades integram ler, anotar, compartilhar e justificar compreensões com
vistas a construir e aprofundar entendimentos coletivamente. Explicito a seguir
alguns pressupostos sobre leitura e ensino da leitura que embasam o trabalho a
ser feito com os alunos.
Leitura: uma prática social e compartilhada
- A leitura é uma atividade que se faz em
conjunto com outras pessoas. Embora o ato de leitura muitas vezes seja
individual, a leitura de um texto raramente se encerra nesse ato:
compreender um texto envolve contar e comentar o que se leu, ouvir o que
os outros compreenderam, justificar reações ao texto, defender, confirmar,
mudar entendimentos.
- O ato de leitura exige disposição, atenção e
esforço, tendo em vista um propósito de leitura e possíveis interações com
outras pessoas, seja em alinhamento com elas, seja contra elas.
- A participação intensa em atividades que
requerem leitura e produção textual proporciona exposição continuada às
formas e aos modos de expressão escrita, familiaridade com um repertório
que pode facilitar a leitura e a produção de textos. Mas ser leitor
experiente em determinados textos não o torna automaticamente experiente
em outros. Seguimos aprendendo a ser bons leitores por toda a vida. Mesmo
em relação aos textos que já lemos, uma nova leitura e uma discussão com
outros leitores muitas vezes abre reiteradas possibilidades de
compreensão.
- A experiência continuada com determinados
textos em determinada esfera de atuação e o propósito de leitura comum aos
participantes são elementos que contribuem para se chegar a interpretações
preferidas e defensáveis, em detrimento de outras interpretações que serão
consideradas incompletas, equivocadas ou pouco defensáveis para esses
leitores.
- É importante interpretar e aceitar toda e
qualquer leitura genuína como reveladora dos conhecimentos prévios que
cada um traz para atribuir sentido ao texto. São as interpretações
colocadas em debate que podem promover outras perspectivas de análise das
informações mobilizadas no texto e dos possíveis efeitos de sentido
pretendidos. E são as defesas e explicações das interpretações feitas que
possibilitarão ajustes, novas leituras e leituras mais próximas das que
buscamos como leitores proficientes.
Ensino de leitura: práticas e etapas
Com base nos pressupostos da página anterior,
ensinar a ler significa formar leitores que poderão reconhecer que o texto
expressa o ponto de vista de um autor, (re)agir com criticidade diante do que
estão lendo, compartilhar, justificar e discutir interpretações e fazer coisas
no mundo a partir da interação com o texto. Para que o aluno possa encarar os
desafios da leitura, é importante que fique claro, desde o início, que ele não
enfrentará sozinho esse trabalho.
Como mediador da leitura, o professor pode planejar
atividades que motivem os alunos a ler, que ativem seus conhecimentos prévios
sobre o tema e sobre os gêneros do discurso focalizados. Também é importante
que as atividades de leitura possam promover ações coletivas (em pares, grupos
ou com a turma toda) de levantamento de conhecimentos prévios e de hipóteses
sobre o que será lido, de busca e troca de informações, de discussão sobre os
entendimentos do texto, de estudo do texto e aprofundamento da leitura e de
compartilhamento de ideias. Nas páginas 40 e 41, para orientar o planejamento
das sete atividades2, apresento algumas perguntas que podem
auxiliar.
Uma maneira de promover a formação de leitores
proficientes é propor atividades coerentes com as expectativas de leitura
criadas pelos gêneros do discurso, tendo em vista que assim os leitores em
formação poderão se familiarizar com as atividades sociais mediadas por esses
textos e, conhecendo essas expectativas, também possam romper com as convenções
quando desejarem ou quando for relevante para as práticas sociais de leitura em
que estão participando.
Se o texto é relevante para a temática em pauta, o
professor pode criar oportunidades para interpretações compartilhadas por meio
de atividades que, em primeiro lugar, esclareçam as razões para o esforço que
está por vir e que ajudem nesse percurso. Em seguida, o professor pode propor
atividades que promovam dinâmicas variadas e possibilidades de construir
entendimentos com a ajuda de leitores mais experientes. A tensão entre desafio
e ajuda está presente em todos os eventos de aprendizagem. Queremos propiciar
que todos possam avançar, compartilhando conhecimentos com a mediação de quem é
mais experiente. Potencializar as diferentes vivências com textos de modo
positivo em sala de aula cria oportunidades para que os próprios alunos possam
se alternar com os colegas e o professor nas mediações que forem relevantes
para a formação de leitores proficientes.
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* Este artigo tem como base o conteúdo do curso
on-line “Leitura vai, escrita vem: práticas em sala de aula”, do Programa
Escrevendo o Futuro, elaborado por Margarete Schlatter em coautoria com Camila
Dilli e Letícia Soares Bortolini para a Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo Futuro.
1. LUKE, A.;
FREEBODY, P. “Further notes on the four resources model”, 1999. Disponível em . Acesso em 3/4/2018.
.
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