A letra cursiva está com os dias contados?
Especialistas respondem
Rayder Bragon
Do UOL, em Belo Horizonte
17/03/201506h02 > Atualizada 17/03/201516h34
O ensino da letra cursiva (de mão) na alfabetização das crianças é
considerado por alguns especialistas como ineficaz e segregador e, por outros,
como um bom meio de fomentar o desenvolvimento intelectual de meninos e
meninas.
A educadora Maria Helena de Moura Neves, professora de pós-graduação em
letras da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, defende o ensino da letra cursiva.
"Quando você se põe a escrever, você não se põe a escrever pensando
nas letras, você se põe a escrever pensando no sentido que você vai dar. Seus
elementos são símbolos, são signos, são coisas mais compactas, com valor em si,
e não, fragmentos de sinais", afirmou.
Segundo ela, a criança deveria ser apresentada à letra cursiva,
independentemente de usá-la ou não após o domínio dessa modalidade de
escrita. "Não digo que as pessoas não possam escrever à mão com
letra de forma, ou digitar, mas não pode ser subtraído dela a oportunidade de
ser apresentada a esse tipo de escrita", disse.
A professora cita o avanço tecnológico como um fator de desenvolvimento,
mas faz ressalvas. "A formação não pode ser bitolada pelo que está na
moda, pelo que a gente acha que é eficiente".
Maria Helena disse acreditar que a letra cursiva não deverá desaparecer
tão cedo no país. "Nós temos um país grande, com núcleos completamente
diferentes. Alguns mal dispõem de um lápis e um papel", afirma.
Segregação
Já para Francisca Paulo Toledo Monteiro, que trabalha com alfabetização
e letramento na Divisão de Educação Infantil e Complementar da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), em São Paulo, o ensino da letra cursiva no
país teve, por muito tempo, papel de segregação em alguns casos.
"Escrever em letra cursiva exclui milhões de pessoas. A letra
cursiva, hoje em dia, é uma falácia. Isso não é mais uma obrigatoriedade, pelo
menos para uma educação inclusiva. O importante da escrita é que ela tenha
sentido e faça a comunicação, ou seja, eu não posso inventar uma palavra ou
colocá-la fora de ordem. Mas, se vou escrever com letra cursiva ou de bastão,
não tem problema nenhum", teorizou.
A educadora diz que a escola excluía crianças com síndrome de Down,
paralisia cerebral ou problemas motores, que não conseguiam escrever com letra
cursiva.
"O cenário que nós tínhamos era, muitas vezes, o de encaminhar a
criança para treinar caligrafia e, em muitos casos, a criança era
inteligentíssima, mas se perdia na escola, era retida nos estudos porque não
conseguia fazer uma letra legível".
A especialista ainda questionou se, de fato, a criança que domina a
letra cursiva tem consciência do que escreveu. "Nós temos algumas crianças
que copiam textos com a letra maravilhosa, mas não leem. A teoria que, para
estar alfabetizado, tinha grafar com letra cursiva, foi por terra",
afirmou.
Questionada sobre a versão de que a letra cursiva ajuda na cognição, a
professora discordou. "Os japoneses não escrevem em letra cursiva e, nem
por isso, deixaram de desenvolver a cognição. Existem muitas maneiras de
desenvolver a cognição. Articular o pensamento com a palavra e com a ação e com
o sentimento", declarou.
'A letra cursiva
está fadada a acabar'
Cláudia Aparecida
Pereira
A professora Maria Margareth de
Castro Pinto Osório, que hoje ocupa o cargo de vice-diretora na Escola Estadual
Celmar Botelho Duarte, em Belo Horizonte, disse acreditar no desaparecimento da
letra cursiva. A educadora lecionou em sala de aula por 24 anos na rede pública
e disse estar prestes a se aposentar.
"No meu entender, a letra cursiva está fadada a acabar, porque as
pessoas só estão querendo teclar e, ao teclar, deixam de escrever. Hoje não se
escreve mais, abrevia-se', avaliou.
Ela disse achar importante o ensino da letra cursiva para que a criança
desenvolva o gosto pela escrita e pela leitura. "Antigamente, a criança
escrevia e tinha noção do que estava escrevendo. Uma redação tinha princípio,
meio e fim. Hoje não tem mais isso. Escreve-se muito pouco. Acho que precisa
juntar o novo com o antigo".
A dirigente confessou que, quando vê um aluno com a letra ilegível, tira
dinheiro do bolso para comprar um caderno de
caligrafia. "Eu compro e passo exercícios para ele. Mesmo não sendo
professora deles, dou o caderno e depois corrijo no fim de semana",
confidenciou.
01 de dezembro de 2014 16h16
Finlândia irá
trocar letra cursiva por digitação nas escolas primárias
Ensinar a escrita à
mão será opção do professor, enquanto a digitação passa a ser obrigatória
Por Redação Link
Crianças passam a aprender digitação
nas escolas; letra cursiva se torna opcional. FOTO: REUTERS
A partir de 2016, as crianças finlandesas terão aulas de digitação nas
escolas, enquanto o ensino de escrita à mão da letra cursiva irá se tornar
opcional.
A conselheira da Secretaria Nacional
de Educação da Finlândia, Minna Harmanen, explica que “ter uma digitação
fluente é uma habilidade cívica importante, que pode ser associada por todos”.
Ela lembra que há muitos cursos escolas que já utilizam material
escolar digital e a rapidez na digitação é de
grande importância para o desenvolvimento dos alunos.
Mas a medida não irá extinguir a escrita à mão das escolas. Os
professores que desejarem continuar ensinando a escrita cursiva tem liberdade
para isso, ainda de acordo com a conselheira. A Secretaria está finalizando as
mudanças para as escolas primárias e serão aplicadas a partir do outono de
2016.